quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Hedwig e o centímetro pastelão

Fiquei pensando em como começar a escrever sobre a noite de hoje. Se começava pensando em um título agressivo ou se simplesmente falava sobre a vontade de chorar que tudo o que vi me provocou. Decidi começar dizendo que sou leiga em teatro. Apesar de ter conhecidos no teatro e de já ter, inclusive, subido ao palco no mínimo umas dez vezes, me julgo completamente leiga nesta arte. Não conheço grandes diretores, nem grandes atores, muito menos grandes peças. Falo isso tudo pra dizer que minha visão sobre a montagem de Hedwig que está em cartaz no Teatro das Artes, na Gávea, é meramente a visão de uma espectadora apaixonada por Hedwig.

Vi o filme Hedwig and The Angry Inch por indicação da pessoa que assitiu a peça comigo. O que presenciei durante as duas horas de peça foi um absoluto descaso com o sentimento da história passada no palco. Um absoluto descaso com o que significa Hedwig no mundo. E não digo somento no mundo gay, digo no mundo inteiro. O sentido da história dentro de todas as referências incríveis que faz, desde o Banquete até os bares sujos de Nova Iorque, foi ignorado. Ou talvez não. Não foi ignorado, mas sim transformado em um dos maiores atentados ao drama que já vi. Evandro Mesquita tranformou um dos maiores dramas do mundo gay em uma comédia pastelão digna de Zorra Total. Recheada de piadas clichês e de atuações fracas, Hedwig passa de um ícone a uma travesti fake que não faz diferença se montada por Paulo Vilhena ou por Chacrinha.

Já não esperava muita coisa da peça, para dizer a verdade, mas o que se passou naquele palco foi muito menos do que esperava. E não só no palco, a plateia gargalhava ao som de piadas fracas e antiquadas. Conseguiram arrancar um riso de mim quando citaram a R. Prado Jr em Copacabana, onde se pode fazer de tudo: ir ao açougue, comprar roupas e vender o corpo. Talvez esta tenha sido minha única risada sincera, as outras risadas foram para a vergonha que senti da triste versão para Wicked Little Town que o ator Paulo Vilhena tenta, inutilmente, cantar e transformar em algo mais emocionante. As letras, traduzidas a maioria ao pé da letra, não rimam, não se encaixam nas melodias, deixando sempre um pedaço pra fora, uma coisa solta no ar.

Para que não me acusem de somente falar mal da peça, vamos às coisas boas: A banda não é de todo mal, as músicas mais rock'n roll conseguem animar a peça. A atriz que contracena com Paulo Vilhena e Pierre Baitelli, Eline Porto, tem uma voz incrível. Alcança notas lindas e suas expressões faciais convencem. O ator Pierre Baitelli, que divide de forma surpreendente (sim, eles mantém uma ótima sincronia) o papel de Hedwig com Paulo Vilhena, também tem seus momentos altos e encarna a travesti com mais vontade do que seu parceiro de palco. Paulo Vilhena só consegue algum tipo de sensação ao final da peça, quando tira a peruca, a roupa e assume uma visão triste de uma travesti devastada pela vida, dando a Hedwig um pouco de consolo.

De resto, a peça é toda de um mal-gosto interminável. Saí da sala do teatro com vergonha de ter presenciado tudo aquilo, triste por ver uma história tão bonita ser reduzida a fragmentos, triste por ver minutos de possível emoção serem invadidos por piadas forçadas e sem sentido. A peça não se faz entender, a história não é contada, o público nem sequer chega perto do drama vivido pela personagem. A sensação que tive foi que a peça Hedwig entrou nos palcos brasileiros deixando uma parte para trás (assim como Hedwig ao cruzar o muro de Berlim): deixou toda a sua intensidade, seu drama, sua beleza fora de cena.

E foi com lágrimas nos olhos de revolta e de tristeza que levantei da cadeira e saí. E mais revoltada ainda fiquei ao ver o público sorridente, satisfeito com tamanha troça. E não há outra palavra que, para mim, defina o que se passou.

E concluou que, de fato a peça faz juz a frase machista que Evandro Mesquista usa para apresentá-la: "Ser um transexual nos anos 80, e ainda na Alemanha, tinha que ser muito macho!" Um retrato triste de como fazer teatro pode se tornar um ato descompromissado de se exibir e apenas provocar risadas, a qualquer custo.

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