Como podemos notar até agora, a sociedade “globalista” gira em torno das práticas mercantilistas, reforçadas pelas instâncias midiáticas. Antagônico a esse prisma, Augusto Boal propõe e consegue executar um meio de comunicação adverso, contra-hegemônico em seu pensamento mais intrínseco. Aqui, a desigualdade social ganha uma pintura de esperança. Esperança de dias melhores, onde o individuo deixará de carregar o esteriótipo de ser passivo diante da mídia e do que ela emite. Passando a exercer funções de um emissor, o analfabeto, o pobre, o homem e a mulher comuns mostra ser capaz fazer um veículo que comunica sem a necessidade de focar no lucro e na competitividade. No trabalho de Boal, não se está preocupado em vender produtos e histórias. O enredo é a vida, o real, o dia a dia, o cotidiano dos oprimidos, sem exageros ou atenuações e o produto é o povo, autenticamente nacional, com suas carências à mostra. A fragmentação, assim como a falta de visibilidade é deixada de lado. Não há a preocupação em não atingir a cúpula do poder. O que Boal e seus guerreiros querem é justamente o contrário: levantar a bandeira da igualdade; fazer ouvir o ecoar de “Somos capazes e estamos vivos!”. O Teatro do Oprimido se propõe a agir politicamente sobre o mundo, transformando a realidade, direcionando as ações para a construção de uma sociedade sem opressão, humanizando os homens que se encontram destituídos de dignidade, cerceados na sua potencia de vida. A partir da visão dialética da realidade, na qual o conflito é inerente ao processo histórico de desvelamento e construção do social, passa-se a não se isentar diante das animosidades e toma-se partido dos oprimidos, aliando-se a eles na sua luta por emancipação plena.
Participar do Teatro do Oprimido significa uma escolha ética de participação ativa ao lado dos oprimidos, sem transformá-los em puro entretenimento ou em arma de opressão, subvertendo as causas que os movem em direção à superação da realidade que os coíbe. Isto é, trata-se de um ato responsável que se funda na dúvida, na abertura à multiplicidade dos participantes oprimidos, estabelecendo com eles uma comunicação dialógica, de compreensão mutua.
A postura adotada no teatro pelo artista não é isolada de uma ação consciente na vida cotidiana, pois a luta pela cidadania, colocando-se ao lado dos que sofrem, deve estar presente em todas as esferas da vivencia humana. A filosofia do teatro de Boal rejeita dogmas políticos ou religiosos, assume-se como ideologia que exige a práxis na vida social e combate o discurso complacente com os interesses das classes dominantes. É dever de cidadão destituir a força dos opressores para assim, poder libertar os oprimidos a partir do exercício da liberdade de expressão e do rompimento da reificação do homem, produzida pela sociedade capitalista de consumo, que glorifica o mercado e o lucro enquanto esvazia os princípios humanísticos. Boal afirma que prefere os artistas que dedicam sua arte à vida aos que dedicam sua vida unicamente à arte.
O Teatro do Oprimido é teatro de luta, é construído pelos oprimidos, para eles e sobre eles, possibilitando aos que são destituídos de voz, o aprendizado da ética, da possibilidade de mudança de seu comportamento que podem, muitas vezes, refletir uma opressão inconsciente. Ele atua como espelho de aumento que revela comportamentos dissimulados e ocultos, identificados com formas opressoras de se relacionar, mas que a partir dessa exposição, da tomada de consciência critica dos próprios atos, faz com que o homem se transforme, se reaproprie do real e o subverta.
Portanto, Boal acaba por nos fazer refletir sobre o verdadeiro significado da globalização e prega, mesmo que inconscientemente, o discurso difundido pela Teoria Comunitária, de que o homem passa por todas essas dificuldades não por culpa própria, e sim pelas mazelas impostas pela globalização. Assim como Muniz Sodré fez no já referido texto, podemos nos perguntar: Onde está a planetarização, naturalmente atrelada ao termo? Será capaz de existir um dia? Até quando teremos de conviver com discursos e práticas “guetizadoras” e “tribalizantes”?
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