Por mais lugar comum que pareça, o futebol é realmente difícil de entender. A maneira aparentemente irracional que leva os torcedores a agirem é, na verdade, pura razão passional, que só quem sente pode compreender. Aqueles que não se envolvem muito com o esporte bretão costumam fazer maus julgamentos daqueles loucos que dormem na fila por ingressos e que choram de alegria ou tristeza depois de uma partida de 90 minutos.
No último domingo foi assim. O Fluminense, que não ganhava o Campeonato Brasileiro desde 1984, venceu o Guarani por um a zero, levando a torcida a um estado de êxtase que nem o temporal conseguiu abalar. Muitos jovens tricolores que estavam no Estádio João Havelange – o Engenhão – nesse dia, haviam passado por momentos inesquecíveis antes de ver, pela primeira vez, o Fluminense ser campeão brasileiro.
Em 1995, o atacante Renato Gaúcho fez o gol de barriga que deu o título do Campeonato Carioca ao time, vencendo o favorito Flamengo. A partir daquele ano, no entanto, veio a prova de fogo de qualquer tricolor, quando o time atravessou seu momento mais nebuloso, tendo chegado a ser rebaixado para a terceira divisão do futebol brasileiro, em 1998. Nesse momento, muitos abandonaram as três cores que traduzem tradição, o que é, de certa forma, compreensível. Para continuar, era necessário que o amor pelo Tricolor estivesse consolidado.
Na última década, o time se reergueu, mas não foi sem perdas: a torcida diminuiu, e os que sobreviveram guardariam aquela dor por muito tempo. O lado positivo foi a força que esse desastre trouxe aos remanescentes, pois apenas o amor incondicional ao time pôde fazer com que a torcida lotasse o Maracanã nos jogos da Série C. Esse amor merecia recompensa, e ela veio alguns anos depois.
O primeiro passo foi discreto, porém emocionante. Gol de nuca do zagueiro Antônio Carlos no último minuto e o Fluminense sagrou-se campeão carioca de 2005. Dois anos depois, o tricolor levaria o título de Campeão da Copa do Brasil, que garantia que no ano seguinte estaria na disputa da Copa Libertadores da América.
Na Libertadores de 2008, cada jogo foi especial. A cada partida, uma festa diferente e mais bonita da torcida, sempre lotando o “Maior do Mundo”. Cânticos apaixonados levaram o time à final do torneiro sul-americano. Porém, os que estavam lá viram o que seria um dia especial se transformar em tristeza. Uma oportunidade dessas, no maior torneiro do continente, não retornaria tão cedo.
A torcida sentiu, mas dessa vez não se abatera tanto. O amor pelo Tricolor estava mais forte, mais consolidado. Assim seguiram juntos, chegando a 2009, quando o sofrimento dos apaixonados parecia não ter fim: mais uma vez, o Fluminense se encaminhava para a desgraça, e novamente era ridicularizado pelos adversários.
Mas dessa vez havia algo de diferente: os torcedores apaixonados não queriam aquela dor mais uma vez. Transformaram-se, então, em guerreiros, e aos gritos de incentivos transformaram aquele grupo de jogadores desacreditados em guerreiros também. Torcida e Jogadores eram um só, bravos que não se entregavam até o ultimo minuto.
O Fluminense seguiu batendo todos seus oponentes no Campeonato Brasileiro, e encontrou ao mesmo tempo a Copa Sul-Americana, um torneio menos importante que a Libertadores, mas que então parecia o combustível necessário para os guerreiros. Em uma semana o Fluminense, de outrora membro certo da série B do ano seguinte, agora estava a uma partida de se sagrar campeão da Sul-Americana e de se livrar do rebaixamento iminente.
E assim veio mais uma derrota: Sul-Americana perdida no Maracanã – por ironia do destino, pela LDU do Equador, mesmo adversário que vencera o tricolor na Libertadores, em 2008. A situação ainda poderia piorar, pois alguns dias depois aconteceria a última partida do Brasileiro, que definiria o descenso.
E o que ninguém acreditaria que fosse possível aconteceu. O resultado final assegurou ao Fluminense a permanência na primeira divisão, consagrando uma das mais belas reações já vistas no futebol, visto que o time chegou a ter calculado pelos estatísticos 98,3% de possibilidades de cair, não podendo perder e tendo que ganhar a maioria dos últimos 11 jogos do campeonato para se salvar, e isso aconteceu em campo.
Aquele time passou a ser conhecido como Time de Guerreiros, em todo o território nacional, após se livrar do rebaixamento. Para um clube como o Fluminense, escapar da degola não é mais que obrigação, mas devido às circunstâncias, aquela fuga foi comemorada como um título.
A tragédia se transformou em um épico. Com poucas mudanças, os Guerreiros do time e da torcida seguiram para 2010 visando um futuro mais promissor. No final do ano em questão, o Fluminense se fazia presente, prestes a entrar em campo na partida que determinaria se ele seria campeão brasileiro. Quem diria que o time que quase havia sido rebaixado estaria no ano seguinte brigando pelo título que não chegava há 26 anos?
Na final do último domingo, a torcida de Guerreiros lotou o Engenhão, após muitas horas em intermináveis filas. Cada um ali tinha, provavelmente, uma historia de dificuldade para conseguir seu ingresso. Eram muitas crianças e jovens, e para eles seria o primeiro titulo de campeão brasileiro visto em vida.
O jogo começou e os 40 mil Guerreiros da Arquibancada faziam novamente uma festa surpreendente. Os Guerreiros do Campo se matavam por cada dividida, honrando a camisa tricolor. Era necessário apenas uma simples vitória, e ela teimava em não aparecer.
As chances de gol não apareciam, e a torcida ficava cada vez mais apreensiva. O primeiro tempo acabou, e a torcida aplaudiu o time, mesmo não tendo jogado bem. Era normal, os jogadores estavam nervosos, e era muita responsabilidade e esperança depositada nos ombros de 11 homens. Foi então que todos os sentimentos deixaram lugar para um só, aos 16 minutos do segundo tempo: era o gol do título, o gol da redenção. É nesse instante que todo sacrifício do futebol vale pena. O abraço coletivo e os apertos de mão emocionados tornam qualquer esforço para estar ali válido.
Até o apito final, a esperança tomou lugar do medo e era quem caminhava junto da ansiedade, tão grande que não esperou até o último minuto. Os gritos de campeão já ecoavam antes mesmo do fim, e se tornaram uníssonos quando o juiz decretou o fim da partida.
Para a torcida no futebol, descrever o sentimento se torna impossível. Uma grande bandeira no Engenhão dizia: ”Somente o que sentimos justifica o que fazemos”, e isso representa cada Guerreiro que esteve do lado do Fluminense, seja em qual momento tenha sido.
No dia seguinte o Rio amanheceu pintado de três cores, e cada tricolor sentiu-se mais digno e mais recompensado. O hino do clube diz: ”Vence o Fluminense com o verde da esperança, pois quem espera sempre alcança”. De fato, a espera foi longa e semeada com dor, mas, mesmo assim, cada tricolor sente que o tempo foi necessário e tornou o sabor da vitória melhor.
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