quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Na UFRJ, Luiz Eduardo Soares conta seus percalços para criar “Elite da Tropa 2”



Pouco a pouco o Salão Dourado, do Campus da UFRJ na Praia Vermelha, foi se enchendo sob o olhar de uma figura ilustre: D. Pedro II. Naquele ambiente o imperador se destacava não por sua magnitude, mas por ser o único que nunca tinha ouvido falar em Tropa de Elite. A exemplo da plateia que lotou o espaço, D. Pedro II observou atentamente ao debate comandado por Luiz Eduardo Soares, autor dos livros “Elite da Tropa” e “Elite da Tropa 2”, que originaram os filmes de sucesso retumbante. Pedro, na verdade, é uma imponente estátua que decora o salão, mas se efetivamente estivesse no local, teria tirado boas lições do evento organizado pelo Fórum de Ciência e Cultura (FCC) e o Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas (CCJE) e compreendido, como Soares diz compreender, que talvez mudanças efetivas sejam mais facilmente produzidas por aqueles que produzem cultura do que pelos que estão no poder.

Luiz Eduardo Soares foi ao campus como escritor, muito mais do que acadêmico ou profissional da área de segurança pública – Soares já exerceu cargos como coordenador de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro, além de ter sido o responsável pelas propostas da área para a ex-presidenciável Marina Silva. Com sua retórica professoral, ele tratou de abordar as questões que concernem diretamente o seu livro, em vez de entrar em ideias relativas à solução do problema da violência, mas confessou que ajuda mais na área de segurança pública através de seus livros, do que exercendo cargos em governos. Seu lado acadêmico, apesar de não ser o foco, foi aguçado pela presença de outros professores universitários no debate. Participaram José Eisenberg, professor de Direito na UFRJ, Renato Lessa, cientista social da UFF, Criatiane Costa, professora de Jornalismo da UFRJ e Julio Ludemir, jornalista e único não-acadêmico.

Soares citou, por exemplo, o quanto hesitou sobre escrever o segundo livro da série pelo medo da redundância. Esse medo, como respondeu a um estudante que tem o mesmo do imperador, o faz duvidar de uma terceira edição de “Elite da Tropa”. “Só se tornou viável [escrever o Elite da Tropa 2] quando notei que seria possível ousar. A questão das milícias surgiu como algo emergencial. O problema era que nem eu, nem o Pimentel, nem o André Batista tínhamos conhecimento e vivência o suficiente nesse assunto”, explica Luiz Eduardo Soares antes de contar como resolveu o impasse. “Foi providencial quando o Cláudio Ferraz (delegado titular da DRACO) me ligou pedindo para fazermos um livro sobre o assunto”.

A questão da autoria do livro também foi abordada. Soares diz que, apesar de ter criado a sua narrativa e tê-la ficcionalizado, a obra não seria possível sem seus parceiros Rodrigo Pimentel, que é ex-policial do BOPE, André Batista, que é major da Polícia Militar e também já esteve no BOPE, e Cláudio Ferraz, que já tinha conhecimento do assunto antes.

Tropa de Elite e Elite da Tropa: histórias distintas

Ao contrário de “Tropa de Elite 2”, que já ultrapassou os 8 milhões de espectadores, “Elite da Tropa 2” parte do ponto de vista de um ex-policial da Delegacia de Repressão às Ações do Crime Organizado, DRACO, que é um braço da polícia civil. Para isso, Luiz Eduardo Soares precisou entrevistar inspetores e detetives do órgão, bem como acompanhar de perto o seu trabalho. Sendo o caso das milícias o tema principal, Soares assistiu a todas as audiências e leu todos os inquéritos da CPI das Milícias, presidida pelo deputado Marcelo Freixo, que inspira um dos personagens mais importantes do segundo filme e livro.

Apesar de ser uma história fictícia, o livro se ampara em fatos reais. A mediadora da mesa, Cristiane Costa, que além de professora é jornalista especializada em literatura, lançou no debate questão sobre a categoria em que o livro se encaixa: ficção ou não-ficção. O impasse não se resolveu, mas Soares revelou uma inspiração: o jornalismo literário, em especial o livro-reportagem de Michael Herr sobre a Guerra do Vietnã, “Despachos no Front”. Porém, Cristiane e Soares concordam que “Elite da Tropa 2” não é jornalismo literário porque, em vez de contar uma história através de intermediários, o livro é um relato advindo diretamente da fonte.

Entre menções a Benjamin, Rousseau, Kant e Lacan, outros temas levantados pelos debatedores beiraram questões mais abstratas, como os limites da lealdade, que, nos livros “Elite da Tropa” e “Elite da Tropa 2” alcançam os níveis do crime. Quanto a esses limites, José Eisenberg igualou a lealdade, que é mencionada por Luiz Eduardo Soares, à coragem, que é precisa mesmo para fazer crueldades, como é o caso da atuação criminosa dos milicianos.

Ao encerrar a preleção dizendo que sua expectativa de resultados sociais a partir de seus livros é de que, pelo menos, menos pessoas morram nos conflitos urbanos, Luiz Eduardo Soares recebeu uma longa salva de palmas. O único que não aplaudiu foi D. Pedro II, provavelmente paralisado pelos horrores que se deu conta que acontecem na cidade de onde um dia comandou o país.


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